quinta-feira, 15 de março de 2012

Pra que serve o jornal impresso?


Possivelmente este título-pergunta não seja inédito, nem nesta Polha e nem em lugar nenhum. Fato é que a serventia do jornal impresso é questionada ao longo da própria história dele – normalmente, ou tem cunho defensivo ou de deboche. Aqui nossa reflexão pretende ser outra. Na real, pra que serve o jornal impresso?

Perguntando ao meu açougueiro favorito – aquele que separa a picanha especial para o domingo – garantiu que o jornal para ele é peça fundamental. Segundo o fatiador de epidermes, algumas carnes menos nobres, e até aquelas que são jogadas para os cachorros nas ruas, são enroladas nos periódicos. Lembro-me que até pouco tempo, num lugarejo onde não existia Vigilância Sanitária, toda a carne era empacotada assim, sem redemoinhos. O comprador ia embora saralepiando com aquilo debaixo do braço.

Ele até me mostrou um pacotão de jornais, comprados no quilo ‘por que sai mais em conta’. Na condição de jornalista inalterável defensor dos impressos, confesso que fiquei chocado com as letrinhas entremeadas de sangue e gordura bovina. Pensava no esforço da moça que escreveu aquela matéria denunciativa, renegada no açougue a um mero envoltório de patas suínas.

Outra inegável serventia do jornal impresso detectei no lavador de carros. Senhor Manoel é daqueles tradicionais profissionais, com galochas de borracha e tudo. Conversando com ele, afirmou sem negativas que o jornal impresso é profundo ajudante naquele trabalho cansativo. “Tem duas serventias”, explicou-me.

E completou a reflexão: “Aquele de páginas menorzinhas, que custa 50 centavos na banca, eu uso para passar nos vidros. Não há nada melhor para limpar, porque não deixa plumas, comuns nos tecidos. O maiorzinho, das páginas grandonas, a gente usa para cobrir os tapetes, assim demora mais para sujar e o cliente fica satisfeito”, concluiu.

Assim como no açougue, uma pilha piramidal de jornais estava assentada no cantinho do lavador. Lá e alhures, fiquei pensando como seria para o jornalista que tomou um processo por sua coragem, ver a mesma mensagem pisoteada por um pé sujo e cheio de calos, sem contar as frieiras e outras dessas doenças que aparecem por falta de higiene nos pés.

E foi na loja de pratos, copos e utensílios domésticos que encontrei mais uma utilidade para o produto final de nossa profissão. Um vendedor qualquer me disse que os aprendizes – que tem de 16 a 18 anos – usam este papel, o mais ideal para o caso, para separar um prato do outro ou então enrolar os copos. Sem saber da minha condição já extasiada com a procura, declarou sem pudores que “o copo não quebra de jeito nenhum” e que “não há coisa melhor para separar pratos” do que o jornal impresso.

E vamos seguindo a vida. Quem escolhe trabalhar com jornal impresso deve necessariamente aprender a conviver com essas condições. Sempre tem aquele que compra o jornal só por causa dos pequenos anúncios, já que faz bons negócios. E aquele que faz uma assinatura ávido pelo horóscopo diário ou por causa das cruzadinhas. Quantas vezes presenteei alguém com um jornal e a pessoa foi direto no resumo das novelas ou no espaço dedicado para as piadas? Perdi as contas.

Não adianta discutir. O jornalista de impresso – normalmente um sujeito enveredado de ideologias e preocupações textuais e conteudistas – tem necessariamente que aprender a conviver com esta realidade.

Jornal impresso discute, debate, enfrenta. Jornal impresso questiona, informa, manda e desmanda. Mas jornal impresso também embrulha carne de segunda, copo de vidro barato e serve de instrumento para o entretenimento. É a vida!

No extinto Correio Paulistano, Olavo Bilac publicou que “não nos faltam jornalistas, faltam leitores” (14\02\1907). Hoje, podemos adaptar: não nos faltam jornais, mas os leitores continuam extintos (25\02\2012).

Artigo originalmente publicado no jornal Folha da Manhã - Passos (MG)

Um comentário:

  1. Boa reflexão. Como ex entregador de jornal impresso sou testemunha do desinteresse. Mas é preciso repensar a estrutura porque o jornalista nem de diploma precisa, não é verdade.
    Hoje o TSE decidiu que campanha realizada por candidato, partido ou pessoa ligada à campanha antes de 05 de julho, através de rede social configura ilícito, ou seja, propaganda extemporânea. É o jornal impresso sendo substituído até nos crimes eleitorais...abraço.

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